segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Costura


Luísa sempre gostou de lavar a louça.

Lá vem o tio Lauro, com seus 12 anos, dirigindo caminhão. Caminhão este do vovô Fabinho, que o dirigia quando um outro caminhão capotou. O caminhão, não o do vô Fabinho, o outro, carregava bilhares de botões transparentes. Os bilhares de botões capotaram com o caminhão. Imagino aquele mar de microdiscos cintilando o chão da Serra dos Orgãos com sua embalagens, conferindo um efeito molhado. Vô Fabinho, malandro que era -porém bondoso- catou pra si botões transparentes. Catou pra família. Vovô Fabinho morreu de tumor no cérebro. E cá estão eles. Os botões, ainda hoje. Se apresentando em todos os lugares. Nas almofadas que minha mãe recobre em períodos irregulares, nos vestidos de festa junina que ela nos fez, nas caixinhas de costura e de lembranças, atrás do móvel gigante com os eletrônicos ultrapassados na sala, nos olhos de boneca e urso que um dia a nossa criança foi capaz de humanizar.

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

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Eu vi o linóleo sendo esticado no palco. É aí que eu vejo que a minha posição na hierarquia do balé ganha prestígio, pois trata-se da aproximação bastidores/ alunos. Bastidores estes que não são a carregada equipe que eu imaginei, mas sim o zelador do teatro, o Pedro, e a minha própria professora de balé, que desenrola a fita no chão e vai esticando-a de maneira a ficar ajeitada para evitar nossos escurregões no ensaio de piso a madeira.
Lembro de Clarinha a 4 anos atrás, chegando com botinas pretas, estacionando sua bicileta, já de uniforme para a aula, no Shopping Café. Ela cresceu. Ganhou um solo e deu tudo o que podia. Peitou, como diz Cecília. Manu, que antes não sabia fazer sequer um bom coque, agora dança tango, lutando para encontrar a sensual expressão que a coreografia pede. E as gêmeas, que orgulho! Depois de anos capengando, indo e vindo ao balé como quem vai à missa de vez em quando, tomaram vergonha e trataram de tampar na abdominal. Todo mundo tem sua hora de chegar e dizer: 'Agora eu vou dançar.'
Jú, cá estamos nós que não fomos a quase lugar nenhum. Permanecemos em casa. Nossa casa aonde se pode ir despreocupado, pois aqui podemos adoidar a vestimenta, ser 'an dedan', subir a perna a menos de 90° e ainda se ver querido, confortável, feliz.
Matheus, amanhã repassamos a cola dos passos. É o jeito que há para quem aprendeu a coreografia ontem.