quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011


Laura, sai daí de perto. Vai gripar.
Aí é que está. Como deixar um fogão imenso e aconchegante? Não dá pra não sujar meu moletom feioso (nunca estive no fashion glam juvenil, e isso é algo pelo qual agradeço à mãe) enquanto brinco com as cinzas esparramadas debaixo da lenha que queima. Zé do Pitete faz um panelão de sopa para os homens negros dos pés cascudos que vêm do trabalho na roça e agora tomam cachaça e conversam com a minha mãe, que entra e abraça a cozinheira gorda. Uma vez, a cozinheira gorda arriscou-se a presenteá-la com um batom que era seu. Minha mãe adorou. 'Achei que você ia gostar, e como eu sei que você não liga', ela mantinha o olhar baixo, sorriso satisfeito. Voltando ao fogão, fiz questão de puxar uma cadeira e permanecer ali, enquanto Zé colocava a mão no fundo da panela borbulhante pra fazer graça, ou trazia uma bebida verde e muito forte para deguste deles -ele e minha mãe, amigos antes de mim e Luísa, antes dos respectivos casamentos, que agora já não existem mais, e na maioria das vezes ele tinha um bicho exótico para nós, 'as crianças', amadrinharmos. O bicho que mais me cativou foi Maria Alice. Alicinha para os amigos. Não sabíamos ao certo qual era aquele animal inteiramente espinhento, salvo o focinho fofo e as garras longas, cujo pai era um sujeito mal-humorado, 5 vezes maior, trancado em sua gaiola.
A gente acompanhou o Zé em em todos os lugares pelos quais passou. Na roça em que tomamos banho de valão, da onde voltamos atolando o pé na estrada de chão cheia de chuva anoitecida e sem energia elétrica. Na janelinha alaranjada da rua de cima em que ele vendia cachaça e a gente gostava de prender o Paulo no porta-malas, durante a contagem do pique-esconde. No bar onde se podia comer uma ótima pizza, embora de vez em quando eu achasse pedrinhas do fogão querido escondidas na massa. E teve o forró, o das festas juninas, com broa, chocolate quente com muita nata, e onde eu vi pela primeira vez as pessoas passando na brasa da fogueira, na meia noite, num louvor a São João. E mais um monte de buracos, onde se mantinha aquele velho padrão. Lâmpada ruim, azeite e vinagre em vidros de perfume, um poster com a pintura de uma francesa vestindo vermelho e chapéu preto, emoldurado pela ferrugem, e uma pimenta que cheirava muito, muito mal, mas que era 'boa pra daná'.

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