domingo, 26 de setembro de 2010

Mães, melhor não tê-las


Porque todo o sofrimento ao qual as submetemos provoca culpa e nos tornará mães tão sofredoras quanto elas.

É, Mãe. O meu espanto em te ver guardando tanta coisa com tanta especificidade passou. O que acontece é que quanto mais se cresce, mais se divide os bens (ou tralha) em compartimentos de tamanhos variados. No estágio mínimo de vida, temos apenas a bolsa amnótica, seguido de um disparate de gavetinhas e armários com roupas do bebê. Depois, começa-se a fazer balé, e se tem uma caixa pra grampo, pra sapatilha e para passagens de ônibus até Pádua - como é caso dos mais psicóticos. E aí se muda para o litoral, e dispersa-se a nova vida solitária em bolsinhas e pastas, onde até as tampas de tanquinho tem um lugar. E isso me faz perceber que eu vou ser você cada vez mais. Veja você. Hoje, ao organizar meu álbum, me toquei que as minhas filhas também roubarão fotos dali e recortarão.Também quebrarão o tripé da minha máquina de filmar que eu esperei três décadas pra obter, também comerão chocolate escondido e alisarão o cabelo sem pedir permissão, com o dinheiro que era pra comprar sapatilha nova. Já estou até vendo as teias de aranha que a Dona Nilza deixa sem notar e que você morria ao ver que a Jose deixava pra trás, da mesma maneira. A história se repete, não tem jeito. E é por isso que sem querer ser sentimental clichê como sempre fui, eu ofereço a minha sina de mãe, desatenta e sonolenta como sei que vou ser, para os momentos em que se pegar perguntando'pra quê fiz essa displicente, sem capricho e desatenta?'.

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Brunas


A Primeira tinha cabelo cacheadinho e era morena, a Segunda era branca e tinha cabelo escorrido. A Primeira era primeira bailarina, a Segunda, traça de livro. A Segunda era calma, tranquila, a Primeira era elétrica e gritante. A Primeira carregava uma caixinha com protetores de sapatilha, a Segunda, um bloquinho para idéias instantâneas. Ambas amáveis. A Primeira era despachada, da noite, gostava de abalar. A segunda era romântica, caseira - naquela época. A Primeira usava brincos gigantescos, a Segunda não os usava. A Primeira tinha o talento que eu queria pra mim, a segunda, a vida que eu queria pra mim. Ambas tinham bom gosto para a música. A Primeira era bailarina mas ia fazer piscicologia, a segunda queria ser escritora e era escritora. A Primeira estudou de madrugada, a Segunda, nem de dia. Ambas sofreram pressão. A Segunda passou pra UFJF, a primeira passou pra UFF. Logo no terceiro ano. Ambas usaram vestido azul na formatura. A Segunda toca violão divinamente, a Primeira gosta de acompanhar a música cantando com uma escova de microfone. Ambas tem um sorriso muito lindo, sem dizer da boca pra fora. A Segunda aprendeu a beber e agora é da night, está num estágio condizente com a faculdade. A Primeira trabalha na night, servindo no balcão de uma boite de Cabo Frio. A Segunda fez luzes, sinto que a mudança foi maior. Cortou o cabelo. Já a Primeira, estes os deixou crescer, juntamente com as unhas, que eram minúsculas. A Segunda é básico puxado pra norte-americano, com havaianas. A Primeira cada dia está de um jeito, e um enfeite de cabelo. Ambas costumavam usar Melissa. A Primeira fala demais, a Segunda fala o necessário pra pensar. Ela abraça dia sim, dia não. A primeira abraça dia sim, outro também. Ambas boas conselheiras. A Primeira agora está longe, também está a Segunda. E eu morro de saudade.

terça-feira, 14 de setembro de 2010

O Calor que vem com Clair de Lune



Estava indo me deitar quando percebi que precisava aumentar a potência do ventilador, e isso é praticamente um milagre (eu sempre durmo de meia, faça chuva, faça sol). O calor desperta em mim a sensação de completar um ciclo de estações desde que vim pra Niterói. O calor me lembrou Janeiro, quando eu acordava antes das 6 pra me arrumar pra aula na Escola de Dança, da qual eu voltava quase sempre frustrada, no calor escaldante do Sol (e isto é uma denominação bem eufêmica de como ele estava), quando o gel do meu coque escorria pela testa e a camisa do Luiz o deixava marcado. Janeiro deste ano me lembrou Janeiro de 2009, quando eu acordava antes das 4 pra me aquecer, antes de ir para o mesmo curso da Escola de Dança. Acordava com Clair de Lune, do Debussy (é, meu pai conseguiu tirar algum proveito de Twilight, logo que viu a cena no quarto de Edward) e até hoje procuro lembrar das sensações que tive naquela época, por isso sempre abro meu corta-luz e toco Clair de Lune na cabeça, enquanto eu rezo (ouviu, vó? Faço isso todos os dias), procurando por estrelas, e se não às encontro, levanto um pouco e olho as luzes que vem das janelas dos prédios vizinhos. É o meu céu do chão, o mesmo que víamos na chegada a Miracema depois das visitas ao vô Fabinho em Paraíso. Lusai dizia 'Mãe, o céu tá caindo' (e às vezes, para não faltar com as estrelas do céu, a gente parava na beira do asfalto, pegava o colchonete cinza no porta-malas e ficava ali deitada, olhando pra elas. Outro ciclo, outra história. Por fim, estou ouvindo Clair de Lune de verdade na primeira vez no ano e estou vendo o quanto a modifiquei subconscientemente.

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

1001 vem, 1001 vai


Obrigada, pai. Hoje eu reconheci a diferença entre morar com você e morar com ninguém.

Os 1001 vão acabar me matando com aquele cheiro de álcool e xixi. Já sentei do lado de diversos tipos. A última foi uma mulher, que estava infeliz com o marido porque este preferiu sentar lá atrás, e beber cerveja com o amigo, a ficar junto dela. Ela era gorda, muito gorda, e chorou olhando pra janela. Outro dia conheci um cara que foi militar quando jovem, mas teve de largar tudo pra procurar emprego porque a namorada estava grávida e precisavam de dinheiro para sutento. Hoje ele trabalha nos correios. Numa segunda-feira de Sol, lá pelas 12h 30min, o ônibus quebrou um pouco antes de Pirapetinga, e nós tivemos que esperar um outro vir de Itaperuna, por duas horas, e foi neste mesmo dia que eu tive de consolar Lília Paula que porventura também estava naquele carro, indo a Niterói especialmente ajudar Tia Teresa com a Mivó. Depois que eu dei a notícia, ela caiu em prantos e ligou para o tio: 'Eugênio? Ainda tem daquele antidepressivo? Toma um aí, a tia Cicida morreu.' E nesse dia o ônibus quebrou mais uma vez, mas um chute no motor foi o sucientente. Sempre dá votande de fazer xixi, aí o jeito é encarar as curvas, fazendo o máximo pra não cair dentro daquela cumbuca prateada, e pode-se até encontrar algo agradável olhando aquela parede de folhas verdes absurdas da Serra dos Órgaos. Mas se você realmente não consegue usar o banheiro móvel, o Mega Grill (seria em Além Paraíba?) onde o Guaravita custa R$ 2,50, serve de socorro, com seus pães de queijo dormidos e pessoas com cara amassadas olhando de maneira doentia para o relógio com medo de serem deixadas para trás (sim, eu sou uma deles). Ontem, lá, eu tive a sorte de encontrar minhas melhores amigas (como isso, meu Deus?) que estavam voltando da UERJ enquanto eu voltava de minha vagabundagem em Miracema. Miracema. A questão não são as 11 horas que gasto pra ir e voltar em um final de semana. É ver Lusai, mãe, Graça com as melhores panquecas do mundo e mais amigos capazes de recarregar minhas energias. E é por isso, apesar do cheiro, do ar codicionado que necrosa meus dedos dos pés e das paradas obrigatórias por causa daquela porra de obra de expanção de estradas no Rio, que eu agradeço à 1001.